Para quem tem excesso de peso, em particular gordura na região abdominal, emagrecer é a melhor estratégia para restaurar a sensibilidade à insulina. O treino de força tem aqui também um papel de destaque. Mas existem alimentos e compostos bioactivos que favorecem directamente a sensibilidade à insulina e tolerância à glicose. Um dos que desperta maior interesse é a canela, mais propriamente um grupo de compostos chamado procianidinas e o cinamaldeído. Quem me procura sabe que enfatizo a utilização de canela em conjunto com as refeições mais ricas em hidratos de carbono sempre que possível, e esta é a razão...
Uma meta-análise publicada recentemente aponta para a eficácia da canela
na gestão da glicemia de jejum e lipidémia em diabéticos tipo 2 .
Embora o efeito seja estatisticamente significativo, a fraca qualidade
metodológica dos estudos impede conclusões mais robustas. Não é certa a
dose eficaz, que pode variar entre os 1-6 g por dia, durante 4-18
semanas. O efeito verificado pode chegar a uma redução da glicemia em
jejum na ordem dos 25 mg/dL, dos triglicéridos em 30 mg/dL, e um aumento
ligeiro do HDL-c e redução do LDL-c. Tudo isto indicadores de uma
melhor sensibilidade à insulina, em especial no fígado. Sabe-se que
alguns compostos presentes na canela são ligandos dos PPARs, factores
que promovem a oxidação de ácidos gordos e maior capacidade de
metabolização dos hidratos de carbono, o que pode explicar estes
resultados.
No entanto, não é pelo seu efeito a nível dos parâmetros de jejum que a
canela me desperta mais interesse, nem tão pouco na sua aplicação em
grupos com patologia. A canela pode melhorar a resposta glicémica após
refeição e sensibilidade à insulina em qualquer pessoa. Pensa-se que o
cinamaldeído tem um efeito insulinotrópico e insulinomimético,
estimulando a produção normal de insulina e substituindo-a na sua acção
sobre os tecidos, potenciando a capacidade de lidar com uma carga oral
de glicose. Além disso, a canela aumenta a sensibilidade à insulina e
sua remoção eficaz da circulação, favorecendo a acção rápida e incisiva
que deveria ter. Isto deve-se a uma inibição da actividade de uma enzima
chamada PTP1B, que bloqueia a sinalização da insulina, e modelação dos
receptores de tirosina cinase (como o da insulina).
Num trabalho publicado em 2007, Solomon e Blannin estudaram o efeito da
canela (5 g) na glicemia em resposta a uma prova de tolerância à glicose
oral (PTGO) ].
Quando os indivíduos receberam canela com a glicose, a glicemia reduziu
em 13%. Mesmo quando a canela foi administrada 12 h antes do teste, a
redução ainda chegou aos 10%. O índice de sensibilidade à insulina
aumentou consideravelmente com a canela, independentemente de ser
administrada com ou 12 h antes da carga oral. Dois anos mais tarde, a
mesma equipa mostra que os efeitos da canela são perdidos rapidamente
quando a utilização cessa (em 2 semanas) .
A sua acção deve-se a um efeito directo dos seus componentes e não a
uma optimização permanente da acção da insulina. Por outras palavras,
não é algo que possa fazer por um determinado período de tempo, é uma
estratégia com continuidade.
Um outro estudo publicado no American Journal of Clinical Nutrition reforça estes resultados .
A ingestão de 6 g de canela com uma refeição rica em hidratos de
carbono atenuou a resposta glicémica em pessoas saudáveis. Na verdade, e
de acordo com outros resultados que dispomos, não parecem existir
diferenças entre pessoas com peso normal e obesos .
O gráfico que se segue é bem ilustrativo desse efeito nos níveis de
glicose. A redução da glicemia foi atribuída a uma menor taxa de
esvaziamento gástrico, para além dos efeitos já mencionados na
sensibilidade à insulina.
Portanto, a ingestão concomitante de hidratos de carbono com canela
parece melhorar a gestão da glicemia em resposta à refeição. Já aqui
falámos da importância que isso tem no controlo do apetite. Ao
contribuir para menores variações da glicemia, não há uma activação dos
mecanismos contra-regulatórios e estimulantes do apetite .
A capacidade em lidar com uma carga de glicose aumenta
substancialmente, reduzindo a necessidade de secretar insulina pelo
pâncreas. Considerando que a hiperinsulinémia é um dos principais
factores que leva à resistência à insulina e eventual falência
pancreática, é óbvio o interesse em estimular mecanismos que reduzam a
glicemia e necessidade de insulina endógena. A canela actua precisamente
nesse sentido.
Os compostos bioactivos presentes na canela também exercem um efeito anti-oxidante
e anti-inflamatório, e a inflamação é um dos principais mecanismos que
levam à resistência à insulina. Na verdade a relação é recíproca, e a
hiperinsulinémia crónica pode também potenciar a inflamação. A obesidade
promove inflamação crónica, e a utilização de compostas nutracêuticos
pode atenuar o processo e favorecer uma melhoria significativa em
parâmetros de risco cardiometabólico . A canela é um desses alimentos funcionais, contribuindo para um perfil mais saudável de obesidade e um metabolismo optimizado para perda de gordura com intervenção dietética. Um primer para uma perda de peso eficaz e duradoura.
Como disse inicialmente, não há uma dose consensual nos estudos, com uma
variação entre 1 e 6 g. Além disso, a consumo de canela pode interagir
com medicação anti-diabética e anti-coagulante, pelo que não deve ser
feita indiscriminadamente. Mas pondo de lado estes casos, a ingestão de
canela é segura nestas dosagens, e recomendável sempre que possível numa
refeição rica em hidratos de carbono para melhor gestão da glicemia.
Cerca de 1-2 g por refeição deverá ser suficiente para observar efeitos
positivos a este nível. Pessoalmente, junto canela às minhas refeições
peri-treino ("à volta" do treino, antes, durante e após), a altura em
que consumo a maior parte dos meus hidratos de carbono (50-70% do total
diário). Esta estratégia permitirá uma melhor tolerância à glicose e
flutuações modestas na glicemia, ideais para níveis de energia
constantes e favorecimento da acção anti-catabólica da insulina.