Já aqui falámos bastante dos benefícios e funcionalidade da proteína de soro de leite [link], vulgo whey, mas não tanto dos tipos de produtos que podemos encontrar no mercado. Hoje a escolha pende entre a whey "intacta", concentrado ou isolado, e a hidrolisada. Embora exista já um background científico considerável sobre o papel destas proteínas na performance, a verdade é que os estudos que comparam os concentrados ou isolados com a hidrolisada a nível das adaptações ao treino são escassos e inconclusivos. Quais são as diferenças? Valerá mesmo a pena optar pelos hidrolisados?

Os concentrados de whey (WPC) são produzidos após coagulação e ultrafiltração do leite pasteurizado. Podem então ser submetidos a processos de filtração mais refinados, dando origem aos isolados (WPI), com menor teor em lactose e grande concentração proteica (>90%). Trata-se de um produto mais puro, mais biodisponível, e muito bem tolerado por pessoas sensíveis. Evite os suplementos produzidos através de colunas de troca iónica, apesar de ser um método já obsoleto. Quando os concentrados ou isolados são degradados enzimaticamente de forma controlada temos os hidrolisados de whey (WPH), com péptidos mais pequenos e de fácil absorção.

Se os péptidos gerados na hidrolise parcial da whey são mais pequenos e facilmente absorvidos, podemos pensar desde já em algumas vantagens teóricas do WPH em relação ao WPC/I:
1. Absorção mais rápida:
Os hidrolisados de whey são absorvidos mais rapidamente no intestino e têm um tempo de retenção gástrico quase nulo. Ao passar do estômago para o duodeno, o WPH é rapidamente desdobrado em aminoácidos e di- tripéptidos que são absorvidos com grande eficiência via carriers de aminoácidos e transportadores de péptidos (PEPT1) presentes nos enterócitos. Assim, poderá ser o ideal para o período pós-treino, ou intra-treino, porque os aminoácidos são disponibilizados mais rapidamente no sangue. Enquanto que o pico de concentração de aminoácidos se dá cerca de 20 min após ingestão de um WPH, um WPI ou WPC pode levar entre 60-90 min.

Concentração de aminoácidos no sangue após ingestão de doses equivalentes
de WPH (preto) ou WPI (branco). TAA, aminoácidos totais.

2. Efeito insulinotrópico mais acentuado:
Uma característica das proteínas de soro de leite é o seu efeito estimulante da secreção de insulina. Algumas fracções peptídicas presentes na whey estimulam a libertação de incretinas pelas celulas intestinais (GLP-1 e GIP), hormonas que induzem a secreção de insulina no pâncreas. Por seu lado, os próprios aminoácidos exercem um efeito insulinotrópico nas células beta, embora menos acentuado que o das incretinas. Assim sendo, não é de estranhar que os hidrolisados de whey estimulem mais a secreção de insulina, aumentando significativamente os seus níveis após ingestão.


3. O WPH é hipoalergénico:
Uma vez que as proteínas constituintes do soro de leite estão semi-degradadas no WPH, o seu potencial alergénico é substancialmente reduzido. Na verdade, a primeira aplicação dos hidrolisados de whey foi na nutrição infantil pela menor incidência de alergia às proteínas de leite de vaca parcialmente digeridas. A hidrolise cliva e destrói os epítopos alergénicos que provocam a reação imune. Como tal, o WPH será melhor tolerado por indivíduos sensíveis às proteínas lácteas e menos propensos a causar sensibilidades alimentares.
Mas é claro que também existem argumentos contra os WPH, mais favoráveis às proteínas intactas e menos processadas. Por exemplo:
1. Preço:
Os concentrados e isolados são mais baratos do que os hidrolisados.
2. Grau de hidrólise:
Muitos produtos no mercado não revelam o grau de hidrólise da proteína. Ora, uma hidrólise de 4% é insignificante e não acrescenta valor funcional ao produto. Apenas acima de 10, idealmente 15, é que as diferenças são notórias a nível da absorção. Os produtos mais baratos que surgem no mercado têm um grau de hidrólise inferior que não justifica a sua utilização. Além disso, muitos "hydro" por aí não são mais do que misturas duvidosas de vários tipos de whey.
3. Aditivos:
Um hidrolisado de whey é geralmente muito "aditivado". Quanto maior o grau de hidrólise, maior a acidez e o sabor torna-se repugnante. Para contornar este problema é adicionada uma grande quantidade de aromatizantes e edulcorantes. Além disso, a WPH é muito líquida e sem textura. Apenas com a adição de gomas e óleos vegetais se consegue aquela consistência que encontramos nos batidos, mas que poderá alterar as propriedades funcionais da proteína. A tendência a formar espuma é também um problema solucionado com mais uns elementos extra que falta nenhuma fazem. Apresentam muitas um teor de sódio elevado que, apesar de não ser problemático para um atleta recreativo comum, é menos próprio na preparação para uma prova de culturismo ou fitness por exemplo (embora varie de produto para produto). Rule of thumb para escolher um suplemento proteico: quanto menos ingredientes, e mais reconhecíveis eles forem, melhor. A não ser que procure um produto composto...
4. Degradação de péptidos funcionais:
De há uns anos para cá têm sido reconhecidas funções biológicas a algumas fracções proteicas da whey. Certas globulinas parecem inibir a angiotensina por mecanismos ainda mal caracterizados, e assim reduzir a pressão arterial. Os glicomacropéptidos são fracções proteicas com um efeito saciante marcado. Estimulam a colecistoquinina (CCK), hormona que inibe o apetite e atrasa o esvaziamento gástrico. A hidrólise parcial da whey poderá destruir estes péptidos e bloquear a sua funcionalidade biológica.
Como referi na introdução a este artigo, os estudos comparativos entre o WPC/I e o WPH são escassos. Podemos argumentar recorrendo a minor endpoints como o tempo até ao pico de aminoacidémia, aumento da insulina, etc, mas no fundo o que interessa é uma coisa só: vou ter melhores resultados se tomar WPH ao invés de WHC/I? Um estudo recente de uma equipa Brasileira veio contribuir para esta questão [referência na imagem].
Os investigadores compararam o efeito da ingestão de WPC ou WPH em marcadores antropométricos e de catabolismo muscular. Os participantes, todos jogadores de futebol profissionais, ingeriram 0,5 g/Kg de peso de WPC ou WPH, antes e depois dos treinos, durante 12 semanas. O gráfico seguinte ilustra os principais resultados:
Como podemos observar, o WPH revelou-se bem mais favorável a nível de marcadores de catabolismo e degeneração muscular, o que indicia uma melhor recuperação dos atletas. A creatina cinase (CK) e lactato desidrogenase (LDH) diminuíram mais comparativamente ao WPC. tal como a creatinina. No entanto, se olharmos para os indicadores antropométricos e de composição corporal verificamos o inverso, ou seja, a WPC foi mais favorável. O grupo com WPC manteve o peso estável (+0,5 Kg) enquanto o WPH favoreceu um aumento (+2,0 Kg), tanto de massa magra (+1,2 Kg) como de massa gorda (+1,0 Kg). Praticamente em iguais proporções. O WPC melhorou significativamente a composição corporal ao fim de 12 semanas, com um aumento de massa magra (+3,4 Kg) e redução dos níveis de gordura corporal (-6,0 Kg).
Os futebolistas profissionais, à semelhança de outros desportos como o ciclismo por exemplo, estão sujeitos a cargas físicas intensas e muito frequentes. Neste grupo, a melhoria dos indicadores de catabolismo é sem sombra de dúvidas muito interessante. Mas no fitness, e para o frequentador comum do ginásio, performance é sinónimo de composição corporal. E como vimos, o WPC revelou-se bem mais favorável a este nível. Na maior parte dos casos a carga física não é comparável ou futebol ou ciclismo e, na minha opinião, WPH ou WPC não fará grande diferença na recuperação.
O que poderá explicar esta diferença significativa a nível da composição corporal? Não sei e os autores parecem focados apenas no efeito na nível do catabolismo muscular. Será a acção insulinotrópica mais marcada do WPH? A insulina é o mais potente anti-catabólico que, aliada à disponibilidade acelerada de aminoácidos, poderá explicar o efeito nos marcadores degenerativos por parte da WPH. No entanto, poderá favorecer  também um pouco a acumulação de gordura. Será que as fracções proteicas da whey com efeito na homeostase energética perdem a sua acção biológica após hidrólise? É tudo muito especulativo ainda... E diga-se, trata-se apenas de um estudo, com uma amostra muito particular e pouco representativa do universo consumidor destes produtos. 
Para ser inteiramente honesto convosco, se pretende ganhar massa muscular o importante é ter um ambiente hormonal favorável e uma pool de aminoácidos disponível durante o dia. Isto pode ser conseguido com WPH ou WPC/I, mas também com comida! Na verdade, se quer atingir um físico de alto nível não é com suplementos certamente, e a importância deles na nutrição de um atleta está muito sobrevalorizada. Os atletas "a sério" não andam de shaker atrás... Andam de Tupperware! E sim... Nem todos tomam o batido pós-treino religiosamente. Pode usar os suplementos proteicos por comodidade e para atingir o seu target diário, mas não tenha muita fé em resultados superiores.
Dito isto, a minha opinião é que os hidrolisados de whey ainda não mostraram o suficiente para se elevarem ao Hall of Fame da nutrição desportiva. Cá estaremos a aguardar novos desenvolvimentos. Poderão ser úteis em batidos intra-treino caso se trate de uma proteína com alto grau de hidrólise. Recorro a eles em certas alturas com resultados bastante interessantes. Podem também ser mais indicados para pessoas alérgicas ou com hipersensibilidade às proteínas lácteas. No entanto, as características destas proteínas tornam-nas pouco apelativas sem a adição de uma série de aditivos menos próprios. Se for "homem" suficiente para tomar um hidrolisado no seu estado puro ou levemente "melhorado", mas com alto grau de hidrólise, tudo bem. Já o fiz e a experiência não é agradável, mas com um bom aromatizante a coisa passa. Vai ter melhores resultados com isso? Se for ciclista, futebolista ou corredor, sujeito a cargas constantes sobre os mesmos grupos musculares, talvez sim. Se os seus objectivos são optimizar a composição corporal, tenho as minhas dúvidas. Para já ainda considero o isolado de whey, pela sua elevada pureza, a opção mais acertada. Se bem que, pela milionésima vez, a escolha da marca é crítica para a qualidade do produto.